Tem 83 anos e não é por isso que prescinde da esgrima. Frederico Fonseca Santos, praticante e ex-dirigente da FPE, entrou na modalidade em 1958 e arrepende-se apenas de, a dada altura, ter deixado a esgrima por outra paixão: a engenharia. No entanto lembra que “não ter tempo raramente é razão” e aconselha os mais jovens prestes a entrar no mercado de trabalho, a organizar a sua vida de modo a não deixarem o desporto. Sobre os benefícios da prática de esgrima, depois dos 70 ou 80 anos, realça o contributo que a modalidade pode dar na manutenção da “boa mobilidade e independência funcional” e na “rapidez de reflexos”, indispensável, por exemplo, para quem ainda conduz

Na sua opinião porque é que a esgrima é uma modalidade, cuja prática é apropriada a qualquer idade?

O esforço físico e a capacidade mental necessários para fazer esgrima são compatíveis com idades a partir dos 6 anos e até muito tarde. Além das vantagens que todos reconhecem na prática desportiva moderada, pode desenvolver a inteligência, entendida como capacidade de enfrentar situações novas. Isto, considerando que na esgrima, o adversário pode mudar de um momento para o outro a sua maneira de jogar. Além disso, contribui muito para a prática do fair play ao longo da vida, em todas as actividades em que uma pessoa se envolva. A título de curiosidade, no Campeonato da Europa de Veteranos de 2017, em Chiavari, Itália, a esgrimista mais idosa em competição tinha 89 anos e recebeu um prémio fair play atribuído pelo Panathlon Clube.

Quais são para si as principais vantagens da prática da esgrima, mesmo depois dos 70 ou dos 80 anos?

Continuar uma actividade física regular, de uma forma organizada é uma das condições para manter boa saúde, boa mobilidade e independência funcional. Além disso, a esgrima não só contribui para manter a rapidez de reflexos, indispensável, por exemplo, para quem ainda conduz automóveis, mas ajuda também a manter as capacidades de concentração no que se está a fazer, de analisar (os movimentos do adversário) e de planear com rapidez (para encontrar o modo de contrariar e vencer o oponente).

Ao fim de tantos anos de experiência, o que o continua a fascinar na prática da esgrima?

Além da convicção de que estou a contribuir para o meu bem-estar, passa muito pelo prazer de praticar um desporto de que gosto. E também a esperança de que possa constituir um exemplo para que os esgrimistas mais novos não abandonem a modalidade demasiado cedo, pois, repetindo o que disse acima, a prática contínua de desporto ajuda a ter uma velhice independente. 

O que o move a querer continuar a participar no calendário competitivo da Federação Portuguesa de Esgrima e da Federação Internacional de Esgrima?

Em primeiro lugar o prazer lúdico de competir e depois o gosto de voltar a ver velhos conhecidos e a satisfação de contactar com atiradores de diferentes gerações. 

A dada altura, devido a uma lesão no braço direito, decidiu começar a treinar e a jogar à esquerda. Pode recordar porque o fez e como foi essa experiência?

Não podia desistir, não podia conformar-me com a adversidade. E estou agradecido aos meus companheiros e treinador da Sala de Armas da AAACM [Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar] que tiveram a paciência de aturar as minhas dificuldades de adaptação até poder “dar um pouco de luta”. E também quero referir os meus filhos que sempre me apoiaram na vontade de continuar. Cheguei a ir um Campeonato da Europa de Veteranos atirando com o braço esquerdo e consegui ter um vitória na poule!

Como e quando é que a esgrima entrou na sua vida?  

Como todos os jovens, pratiquei vários desportos. Joguei futebol, vólei e ténis em encontros de amigos, nadei, remei e fiz ginástica. Em ginástica cheguei a estar federado pelo Sport Algés e Dafundo e a entrar num campeonato nacional. Em 1958, o meu pai, José Fonseca Santos, que era dirigente do Clube Shell e da Federação Portuguesa de Esgrima, desafiou-me a ir experimentar a Esgrima. Fui, gostei e fiquei. Nesse tempo a Sala de Armas do Clube Shell tinha atiradores como o Paiva e Pona (pai) olímpico em 1952, Maria José Nápoles e Amado Fernandes, olímpicos em 1960, Rui Santa Bárbara, o 1º campeão nacional de florete eléctrico e Tomás Baltazar, que viria a ser, mais tarde, Presidente da FPE. Além de bastante outros, claro.

Em que ocasião participou pela primeira vez numa competição internacional de veteranos? Como foi essa experiência?

Foi no Campeonato do Mundo de 2012, em Krems, na Áustria. O meu companheiro de “aventura” foi o João Freire. Gostei bastante de ter participado e fiquei “cliente” para mais campeonatos.

Como vê o panorama dos esgrimistas veteranos em Portugal? Há margem para haver ainda mais praticantes?

É uma pena que quase todos esgrimistas, tanto praticantes masculinos como femininos, deixem a modalidade tão cedo. Lá terão as suas razões e eu não posso censurar ninguém, pois também fiz o mesmo. Em 1968 deixei de praticar e só voltei em 2006, embora tenha regressado à modalidade em 1988 como dirigente da FPE, a convite do então presidente, General Chito Rodrigues. Abandonei a Esgrima por uma paixão maior, a engenharia. A maneira como encarei as minhas tarefas, sem horas de saída garantidas, sem fins de semana certos, e para que a vida familiar não ficasse para trás, deixei de ir aos treinos. Usei comigo próprio o argumento de que não tinha tempo. Não ter tempo raramente é razão. Na realidade devemos dizer “dei prioridade a outras coisas e não àquela que ficou para trás. Agora, depois de ter lido o que li, de ter entrado para UESPT PORTUGAL – União Europeia Desporto para Todos, e de ter aprendido que o desporto não é apenas uma actividade lúdica e recreativa, mas um contributo para a manutenção da saúde, penso que naqueles anos em que trabalhei, deveria ter conseguido encaixar algumas horas por semana para fazer esgrima, sem prejuízo da família e do trabalho.Teria sido uma questão de planeamento. Exorto todos os esgrimistas que vão entrar na vida profissional e constituir família a organizarem a sua vida de modo a não deixarem o desporto. Será um bom plano de poupança reforma.

O que tem a dizer aos ficam surpreendidos por continuar a praticar esgrima com a sua idade?

Respondo-lhes que me sinto muito bem assim, que ir aos treinos e às competições é dos maiores prazeres que tenho e aconselho-os a praticar  uma actividade física regular, compatível com o seu estado físico e com o seu gosto.

Como tem encarado as dificuldades colocadas pela pandemia, ao nível da prática da modalidade? Anseia pelo retorno às pistas?

Foi aborrecido. Não pudemos organizar este ano a Taça Mestre Herculano Pimentel e não treinei entre Março a Agosto. Em Agosto, o AAACM recomeçou os treinos ao ar livre nos terrenos do Estádio Universitário e eu alinhei. Depois, em Setembro voltámos para a Sala de Armas do Colégio Militar e agora treinamos duas vezes por semana. Sinto, todos os que conheço sentem, a falta de provas.