A abraçar a sua segunda experiência internacional como treinador, Álvaro Monteiro mostra-se surpreendido com a resposta entusiástica que os atletas que orienta em Doha (Qatar) deram nos treinos online, forçados pela pandemia de covid-19. O floretista Campeão da Europa em 2000, assegura ainda que nunca parou de aprender e considera que o elemento mais importante para se atingir a excelência na Esgrima passa pela “capacidade de nos levantar mais uma vez do que aquelas que caímos” e “estar pronto no treino seguinte para trabalhar nos erros” 

Estás neste momento no Qatar a viver a tua segunda experiência internacional enquanto treinador, depois de uma passagem por Hong Kong. Como tem sido esse percurso e interagir com culturas tão diferentes, através da Esgrima?

São duas experiências completamente diferentes. Quando estava em Hong Kong trabalhei num clube que era o Fencing Sport Academy (FSA) e era um clube que tinha, se não me engano, à volta de 700 atletas às três armas. Havia cinco treinadores a full-time, mais oito ou nove em part-time e era brutal, com diversos atletas de várias idades. Apesar de incluir a parte ligada à performance, ou seja de tentar alcançar resultados em competição, era um clube sobretudo dedicado a divulgar a esgrima e conseguir novos atletas e praticantes. Essa foi a vertente de treino que tive em Hong Kong. Aqui em Doha é diferente porque fui convidado pelo Massimo Omeri, que foi o treinador do Andrea Cassara, e desde logo fui confrontado com um projeto completamente diferente. Isto porque trabalho com um grupo restrito de atletas, ou seja, apenas com aqueles que têm potencial para chegar à alta competição, sendo que os objetivos de treino são completamente diferentes. Temos uma coisa mais estruturada, mais planeada, com treinos bi-diários (isto antes do covid), estágios e competições na Europa. Além disso, toda a estrutura da Aspire, que é a Academia onde este trabalho está a ser desenvolvido, é uma estrutura, em termos de performance, que ainda hoje, e eu já estou cá há três anos e meio, me deixa maravilhado, todos os dias. É impressionante. Sempre que lá entro, há ali um minuto do dia em que paro para dizer “Uau, investiram mesmo a sério neste espaço”. Os miúdos têm tudo à disposição deles, em termos de treinadores, não só de esgrima, mas também ao nível de preparadores físicos, fisioterapeutas e psicólogos. Há um coreano que só trabalha com bio-mecânica, que em todos os treinos anda com as câmaras de vídeo atrás para tentar captar os erros e skills de cada atleta. Temos um médico fisiologista que produz relatórios de intensidade de treino, para perceber se os miúdos estão cansados ou em boa forma. Há testes físicos a cada 3 e 6 meses. Está a ser uma experiência muito enriquecedora, nesse sentido, ou seja, na vertente da performance. Acima de tudo, estou a aprender imenso a nível pessoal como treinador, porque aqui existe uma ligação entre vários desportos e há sempre algo que podemos aprender em termos de planeamento, estrutura de treino e nós temos uma equipa de treinadores de atletismo, de ténis de mesa, de squash.. e estamos todos no mesmo espaço. Quando temos alguma dúvida ou queremos saber algo, há sempre alguém entendido nesse tema que queres saber. Por exemplo, em Excell, antes de vir para cá era um utilizador básico, e desde que cá cheguei, estou a usar o Excell de uma maneira que nunca pensei ser possível e estou muito à vontade com esta ferramenta que me está a ajudar imenso no meu trabalho. Nomeadamente, para perceber a evolução deles, comparando os resultados obtidos de uma forma muito rápida e objectiva e comparando a sua evolução em termos técnicos, táticos e físicos, por exemplo.    

Como descreverias a tua experiência em Hong Kong e como contornastes a barreira linguística?

A adaptação foi gira. Principalmente em Hong Kong lembro-me que tinha miúdos que não falavam inglês, mas a esgrima tem esta beleza, esta coisa de não ser preciso perceber ou dizer exactamente o que se pretende ao aluno. Podes demonstrar aquilo que queres que seja feito ou simplesmente explicar de uma forma gestual. Por exemplo, na lição podes demonstrar por várias maneiras o que pretendes que seja efetuado. A Esgrima tem isso, ou seja, podes falar com a lâmina. Passado algum tempo comecei também a articular algum cantonês e a coisa rolou. Gostei muito de trabalhar em Hong Kong, fiz bons amigos dentro e fora da Esgrima e custou-me, como me custou também sair de Portugal, porque na altura estava em Espinho e tinha um grupo muito giro de atletas. Custou-me da mesma maneira sair de Hong Kong porque apesar de tudo criam-se laços com os atletas e… custa sempre. Foi uma experiência muito positiva e, em termos de Esgrima, o momento que me mais me marcou posso dizer que foi a parte final. Já tinha informado o meu clube que tinha recebido uma proposta para vir para Doha e havia ali um intervalo de dois meses e meio até ir embora. Durante esse intervalo havia uma competição que era a Mini Marathon de Paris [sub-14] e essa prova foi a minha última enquanto treinador do FSA. Um das minhas atletas ganhou uma competição, tendo sido a primeira vez que uma atleta de Hong Kong ganhou a Mini Marathon de Paris. Foi uma coisa que me marcou, foi uma coisa emocional. Foi muito gira toda a situação e até chegámos a fazer um estágio em França antes da competição. Foi muito agradável. Foi um fechar de página da melhor maneira possível antes de começar esta nova fase aqui em Doha. Estive três anos em Hong Kong.

Tendo em conta que as vertentes de treino que encontraste em Hong Kong e em Doha são muito diferentes, quais as principais diferenças entre os dois locais a nível cultural e de que forma isso influenciou o teu trabalho?  

A primeira vez que cheguei ao clube em Hong Kong, apresentei-me e, como português que sou, a minha primeira reação é dar dois beijinhos e as raparigas começaram todas a rir-se. É que nem um aperto de mão se dá. Apercebi-me que dizem só “olá” e “adeus” de uma forma mais distante. Foi a minha primeira aprendizagem a nível cultural. Em Hong Kong apercebi-me também de outra coisa. Os pais são hiper protetores. Senti que os miúdos são expostos a uma pressão muito grande para ser bem-sucedidos em várias áreas. Eles não têm tempo. Tinha miúdos muito inteligentes, mas que além da escola, iam, sei lá, para o Golfe, depois para as aulas de Piano, de Violino e, no meio disto tudo, havia ainda a Esgrima. Os miúdos não paravam, é uma coisa impressionante. Outra coisa que achei interessante, mas que não achei saudável, para ser honesto, é o facto de a maioria dos pais estarem sempre presentes durante o treino. Acho que é importante, especialmente na Esgrima, mas em qualquer desporto, os miúdos começarem a sentir-se independentes e autónomos e acho que esse cordão umbilical que os pais têm com os filhos é um bocadinho difícil de cortar. Mas isso é uma coisa que não dá para contornar, é uma coisa cultural. Em Doha é o oposto. Eu não conheço os pais nem nunca os vi a assistir a um treino ou a uma competição nacional. É uma diferença enorme. Na Aspire eles têm um regime de internato, ou seja eles dormem lá, têm escola de manhã, depois vão ao treino matinal, almoçam, vão ao treino da tarde e ficam lá a dormir. Sinto que os pais são um bocadinho ausentes aqui e acho que isso tem um bocadinho a ver com a cultura qatari. O Qatar é um país muito rico devido ao petróleo e ao gás natural e os qataris puros, para ser honesto, não gostam muito de trabalhar, ou melhor, não precisam de trabalhar para conseguirem um bom vencimento. É um bocadinho assim. Facilmente se arranja um bom emprego com um cargo fictício, porque é um título que lhes é dado e que implica [ir ao local de trabalho] uma ou duas vezes por semana, conferindo-lhes um salário absurdo. Cá isto é uma norma. Em relação aos miúdos, sinto que as mães deixam a educação para as amas, que normalmente são oriundas das Filipinas, do Sri Lanka ou do Nepal. São pessoas super trabalhadoras e carinhosas. Sinto que essa parte é um bocadinho descuidada, é a minha opinião, não sei… e também aí sinto que é uma grande diferença para a cultura asiática em Hong Kong. Ou seja, acho que em Hong Kong é o “80” e aqui é o “8”, para ser honesto. O ideal seria haver um equilíbrio.

Como é que está a ser enfrentada a questão da pandemia? O que ficou por fazer, que adaptações foram necessárias e que eventuais oportunidades apareceram devido a esta situação? 

Vou começar pelas oportunidades que apareceram, sobretudo ao nível da criatividade permitida pelo trabalho online. Quando entrámos em lockdown estávamos a trabalhar exclusivamente online e chegámos a fazer treinos bi-diários e depois passámos a fazer uma vez por dia. Acho que isso foi muito bom no sentido criativo. Comecei a fazer vídeos, apesar de ser um leigo em edição. Comecei também a fazer umas brincadeiras com vídeos de YouTube com ações específicas e trabalho de pernas que queria mostrar aos miúdos e que gostava que eles retivessem mentalmente. Além disso, o Rudy, o treinador de Espada da Aspire, tem sido extraordinário, tem uma experiência brutal em Esgrima. Ele trabalha com Espada, mas é Mestre de Armas e Esgrima é Esgrima. Ele percebe mesmo muito de Esgrima, esteve com a equipa nacional de França, trabalhou no INSEP muitos anos, alcançou o quarto lugar nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, teve campeões da Europa e do Mundo e é uma pessoa, acima de tudo, super profissional e humilde, pronta a ajudar e a ensinar. Tenho aprendido imenso com ele. Nessa fase inicial da pandemia criámos uma equipa muito boa e tudo funcionou bem. Os miúdos aderiram às sessões online de uma forma que nós não estávamos à espera e funcionou desde março até setembro de 2020. 

Como é que eram feitos os treinos?

O treino é feito em directo. Tínhamos, por exemplo, um dia só para trabalho de pernas outro só para trabalho de alta intensidade, outro só para trabalho de força e ginásio. A Aspire colocou na casa dos miúdos bicicletas, halteres e todo o equipamento que era possível e, por isso, conseguimos fazer uma coisa mais ou menos organizada dessa maneira. Havia dias onde fazíamos trabalho de pernas com Espada ou Florete no plastron. Em cada dia tínhamos um objectivo específico que íamos trabalhando e era sempre online. Os vídeos enviávamos por WhatsApp. Tínhamos um grupo de Florete e um grupo de Espada para onde enviávamos os vídeos. Muitas vezes enviávamos só um assalto de Esgrima interessante, outras vezes enviávamos ações específicas compiladas de grandes campeões. Tivemos também uma sessão com o Andrea Cassara, que foi muito interessante e onde os miúdos tiveram a oportunidade de interagir e fazer perguntas. Tivemos outra sessão com o Borel [Espada], que é muito próximo do Rudy e também foi muito interessante, os miúdos adoraram. Essas foram as coisas boas da pandemia, porque de outra forma não teríamos tido a possibilidade de ter essas interações. A partir de setembro voltámos à Aspire mas com treinos limitados, pois agora apenas treinamos uma vez por dia, só de tarde, porque os miúdos têm escola de manhã. No entanto, estamos a fazer um treino mais longo, de cerca de 2h30 a 3h00. 

Tem sido fácil motivar os atletas neste contexto? Sem provas e com muitas restrições como se mantêm os esgrimistas focados mo trabalho que há pela frente?

Para ser sincero, com os miúdos a não terem provas e com os campeonatos a ser constantemente cancelados, estou surpreendido com a adesão que eles têm tido e com a motivação que eles mantêm no treino. Estou muito contente com isso. Às vezes sinto que são os atletas que me motivam a mim. Sinceramente, sinto mesmo. Acho que é um “toma lá, dá cá”, mas é muito motivante porque eu lembro-me, quando cheguei cá, isto era… um desastre, sinceramente. Não havia uma estrutura de treino implementada, ninguém chegava a horas: um chegava às 16h00, outro 10 minutos depois, outros às 16h20, 16h30 ou 17h00 e até 17h30 e o treino acabava às 18h00. Era uma coisa de bradar aos céus. No início eu estava a pensar “o que é que eu vim para aqui fazer, isto assim não vai funcionar”. Havia também gente a mais na Aspire ao nível dos atletas, que não percebia o privilégio de lá estar. Uma coisa é fazer Esgrima por lazer como estava a falar no caso de Hong Kong. Os miúdos que querem aparecer, aparecem. Se não querem aparecer, não aparecem. Há uma mensalidade e somos amigos na mesma. Na Aspire, o trabalho é direcionado para a alta competição em todos os desportos e o que estava a acontecer era tudo menos uma coisa direcionada para a alta competição. Agora, passados três anos e meio, a coisa mudou muito para melhor, passo a passo. Até ao ponto de dizer que a ideia de ficar cá três anos mudou completamente e estou a pensar ficar, pelo menos, mais dois ou três ou até mais um ciclo olímpico. Faz sentido, tenho um grupo giro que me custou muito a criar, os tais laços foram criados e tenho curiosidade de perceber até onde podemos chegar porque sinceramente não me lembro, antes de vir para o Qatar, de ver um qatari numa prova de Esgrima quando eu era atleta. Não sabia que o Qatar tinha Esgrima, sinceramente.

Quando e como é que apareceu a vontade de seguir a carreira de treinador?

Apareceu muito cedo, ainda era atleta. Não estava a dar treinos mas acho que sempre gostei de ensinar e tive a vontade de tirar um curso de treinador e Mestre de Armas. Sempre tive esse objectivo em mente. A oportunidade apareceu acho que em 2012, quando tive a sorte de ter sido selecionado para ir para Budapeste fazer uma formação de Florete. Adorei a formação, foi uma coisa muito gira de se fazer e permitiu interagir com outros treinadores jovens de vários países, também em início de carreira. Estive com dois mestres de armas, o Mestre Hugues Leseur e o Mestre Petru Kuki, que são dois seres humanos maravilhosos, pessoas incríveis e que percebem imenso de Florete. Foi uma experiência muito agradável.  

Quais são as tuas principais referências na Esgrima, ao nível do treino?

Eu sou muito curioso e observador e tento ver o mais possível. Gosto muito de Esgrima italiana, russa e até, hoje em dia, da Esgrima francesa. Isto porque, especialmente o Florete, mudou bastante. Desde que os timings dos aparelhos mudaram, o Florete mudou e já não é jogado da mesma maneira, havendo países que se adaptaram melhor que outros e eu achei isso muito interessante. Quando vamos para competições há sempre treinadores que estão a dar as suas lições de aquecimento e eu tento sempre ver e às vezes filmo. Neste ponto, gosto muito de observar as lições italianas, russas e até mesmo dos americanos. Os americanos tiveram uma ascensão enorme e, muito provavelmente, foram a nação que evolui mais desde que eu deixei de ser atleta. Eu lembro-me que nós ficávamos contentes de jogar com os Estados Unidos mas agora ninguém fica contente de apanhá-los. Eles agora estão a jogar à séria. Gosto muito de ir ao YouTube e explorar vídeos, até mesmo de outras armas, de Espada, por exemplo, ou sobre o trabalho de pernas de Sabre. Depois tenho aqui o Massimo Omeri, que é um treinador brilhante. Tenho a sorte de o ter cá e ele vai-me ajudando com ações, ideias e com a intuição que ele tem. E depois há o Rudy, que tem uma abordagem diferente, porque é um treinador de Espada, mas que, no fundo, volto a dizer, Esgrima é Esgrima, seja Florete, Espada ou Sabre e acho que podemos aprender um bocadinho com todas as armas.    

Que foi a importância do Mestre Slovensky para os métodos que utilizas hoje em dia? 

Para ser honesto, há muito pouco do estilo do Mestre Slovensky que aplico no meu estilo de treino. Como disse o Florete mudou muito, mas obviamente que o Mestre Slovensky fez a diferença. Costumo dizer que há uma Era antes do Slovensky e depois do Slovensky no Florete em Portugal. Antes do Slovensky vir, a malta não sabia o que era Florete. Para ser honesto, tínhamos uma ideia, andávamos lá e tal mas ele mudou o Florete em Portugal e nós começámos a perceber o Florete por causa dele e estou-lhe eternamente grato, porque, sem ele, acho que não tínhamos alcançado os resultados que conseguimos alcançar. Mais precisamente os resultados fantásticos que o João Gomes teve ao longo da sua carreira e também do Hugo Miranda, eu próprio, o Marco Gonçalves, o Eduardo Pereira. Foi uma geração que conseguiu resultados que nunca eram postos como uma possibilidade naquela altura, e isso começou a acontecer com o Mestre Slovensky. Obviamente que ele foi muito importante e há coisas que ainda uso, mas não muito, porque a Esgrima de Florete mudou muito como disse, até na forma como se joga. Hoje, o Florete é mais lento e mais tático. Lembro-me, antes, de ver assaltos de Florete a ser jogados no primeiro tempo de três minutos. Hoje em dia é quase impensável isso acontecer, é uma coisa muito mais demorada, mais tática, mais parecida com a Espada. Daí, foi necessário adaptar também o treino.

No ano passado comemorou-se o 20º aniversário da conquista do título europeu por equipas na Madeira, em 2000. Passadas mais de duas décadas, que recordações ficam desse dia? Como foi ser campeão da Europa em casa?

Como atleta foi o melhor momento da minha vida. Foi subir ao pódio com os meus amigos e colegas de equipa, porque, acima de tudo, nós éramos amigos também e acho que isso nos ajudou imenso a conseguir os resultados que conseguimos. Nós trabalhávamos como uma equipa. Quando um não estava bem, o outro estava logo atrás para compensar e mesmo quando esse também não estava bem, havia outro pronto logo atrás. Foi um trabalho de equipa perfeito e nesse Europeu específico, a coisa funcionou de uma forma perfeita. Como é óbvio foi muito agradável ter sido na Madeira porque normalmente na Esgrima, nas provas nacionais, nunca temos muita audiência mas lá na Madeira aquilo estava cheio, parecia um jogo de futebol, pelo menos dava assim essa sensação. Foi uma coisa gira, com cachecóis e a malta a fazer barulho. Foi mesmo muito bom, foi um sentimento muito agradável e não vou esquecer. Vai ficar cá dentro para sempre. Mas ao mesmo tempo, acho que se perdeu muita coisa porque não consigo perceber até hoje, como é que nós conseguimos criar essa equipa e alcançar os resultados que se conseguiram alcançar na altura, fazer esse investimento, não só monetário mas também de tempo, físico e mental e depois, de repente, não haver uma continuidade. Se nós virmos agora, dessa equipa, o João Gomes está em Portugal a fazer um trabalho excelente com a Academia de Esgrima João Gomes [AEJG] mas é ele. O Eduardo Pereira está no Ginásio Clube Português também a fazer um bom trabalho. Mas da equipa campeã da Europa só está o João Gomes em Portugal. O Hugo Miranda está em Madrid a dar treinos, o Marco Gonçalves está na Hungria a fazer um trabalho excelente, eu no Qatar e as coisas estão a ser… eu gosto de estar fora, mas preferia estar no meu país como é óbvio e acho que o Hugo e o Marco provavelmente também preferiam estar em Portugal. Isto para dizer que, no fundo, acho que se perdeu ali um bocadinho o fio à meada. Tenho esse sentimento sempre que penso nisso. Mas em termos do que senti nesse dia, só posso dizer que foi o melhor dia da minha vida. Como atleta foi uma coisa fabulosa, estar ali rodeado de amigos, a falar português e a ganhar um Campeonato da Europa e nessa altura um Campeonato da Europa era quase um Campeonato do Mundo, porque a Europa era, nesse momento, a potência máxima do Florete. Ultrapassar a Itália, a França, a Alemanha, a Rússia, a Hungria, a Polónia, a Áustria, era uma coisa impensável. Foi a cereja no topo do bolo termos conseguido, como equipa, ser recompensados por um trabalho muito muito árduo, que foi efetuado durante anos.  

Para além desse, que outros momentos destacarias da tua carreira enquanto atleta?

Lembro-me de ficar em 2º lugar na Taça do Mundo de Aix-en-Provence, que é uma prova fortíssima do Circuito Mundial de Juniores e esse foi o meu segundo resultado a nível internacional. Antes tinha ficado em 8º lugar no Campeonato da Europa de Juniores. Mas essa prova especificamente marcou-me porque foi em França em Aix-en-Provence e as provas em França têm sempre um “je ne sais quoi”, têm um calor diferente porque as pessoas vibram com a Esgrima, que é um desporto que é levado muito a sério. Estava muita gente e a coisa estava bem montada, foi muito agradável. Lembro-me muito bem dessa competição.

Qual é para ti o elemento mais importante para se atingir a excelência na Esgrima ao nível da competição?

É levantar cada vez que se cai. É sermos capazes de nos levantar mais uma vez do que aquelas que caímos, porque cai-se muitas vezes. Acho que temos muito mais derrotas do que vitórias na Esgrima, mas isso é uma coisa que deve ser encarada de uma forma construtiva e promovendo a auto-aprendizagem. Ou seja, como é que nós conseguimos encarar a derrota e aquilo que é possível tirar de cada derrota, que nos vai permitir levantar da próxima vez e subir um degrauzinho mais. Se sabemos exactamente o que queremos e temos um objetivo definido, e se queremos evoluir a nível pessoal, lutamos por isso, seja na Esgrima ou na vida e o lutar por isso implica perder muitas vezes, cair, sair lesionado às vezes, implica derrotas. Mas a verdadeira força está no levantar e no sacudir os ombros dessas derrotas e estar pronto no treino seguinte para trabalhar nos erros, estar pronto para a próxima competição e para o próximo objetivo e nunca desistir. Acho que é esse o caminho.