No comando técnico da Esgrima da Madeira há vários anos, Carlos Manuel Rodrigues partilha de que forma a modalidade continuou a acontecer em tempos de pandemia, recorda o momento em que se mudou de Viana do Castelo para a região e sublinha a importância da criação da Associação de Esgrima da Madeira. Defensor da descentralização da Esgrima em termos competitivos e financeiros, o treinador acredita haver vantagens na criação de Associações de Esgrima por parte dos clubes e vinca que é fundamental formar grupos de trabalho coesos para potenciar a “disponibilidade mental” e as “capacidades técnicas e físicas” dos atletas  

A Esgrima tem vivido desafios sem precedentes a reboque da pandemia. Como classificaria o estado da Esgrima da Madeira e como se arranja forças para continuar apesar das dificuldades?  

É óbvio que a Esgrima Regional, como todas as modalidades desportivas, foram afetadas pelo fator COVID. No entanto como a Esgrima da Madeira é tutelada pela AERAM, foi mais fácil encontrar uma solução em sintonia com os clubes inscritos na mesma. Como o Governo Regional da Madeira numa das suas normas emanadas oficialmente, abria a possibilidade de os clubes de competição Nacional poderem efetuar treinos em dias específicos e mediante o cumprimento das normas de segurança emitidas pelo SRS [Secretaria Regional da Saúde], optámos por realizar todos os sábados treinos da Seleção da Madeira com os melhores atiradores de cada clube no máximo de 12 atiradores por sessão de treino. E foi com o pensamento “Todos Juntos“, que se criaram condições e motivação, que foram crescendo com o decorrer de cada sessão de treino, e, naturalmente, criámos também um grupo dinâmico, ambicioso e muito motivado para as competições, assim que houvesse condições para as mesmas terem início. 

O que tem sido mais desafiante nesta fase, para além da ausência de competições e contacto regular com o grupo de treino?

O trabalho a nível psicológico, em que tivemos que arranjar forma de os atiradores selecionados não perderem a “Motivação”,  foi fundamental para que não houvesse da parte dos atiradores uma quebra de rendimento, e encontrar em cada sessão de treino algo de novo e desafiante e que mantivesse o nível de treino sempre elevado.

O prolongar da pandemia tem feito com que haja menos praticantes nas Salas de Armas?

De início sim, e claro que era expetável perante a situação que se vivia, mas com a abertura progressiva de algumas das restrições, aos poucos estamos a voltar ao normal funcionamento dos clubes e da competição.

Que adaptações tiveram de ser introduzidas nos treinos para fazer face à pandemia?

Fomos seguindo com atenção as normas da SRS  e foi mais ao nível do aquecimento e deslocamentos em que adaptamos exercícios que pudessem minorar as insuficiências de um treino “normal”. Isto, porque cada atirador tinha uma área restrita e específica de segurança.

Pode contar-nos como foi o seu primeiro contacto com a Esgrima? Foi amor à primeira vista?

Bem, essa pergunta é meio complicada para mim. Não foi amor à primeira vista…foi mais um desafio. Nessa altura eu praticava Rugby. Tínhamos uma boa equipa e tínhamos sido Campeões Nacionais de Infantis. Um dia estávamos a treinar as “placagens” em colchões no pavilhão quando vemos uns miúdos e miúdas a fazer uns exercícios de Esgrima e, claro, nós armados em “carapaus de corrida” fomos logo desafiá-los para nos deixarem dar uns toques com eles, a pensar que seria fácil ganhar aos ditos cujos. Bem, fomos “massacrados“ e vimos que aquilo das “espadas“ era desafiante para nós. A partir daí, comecei a praticar as duas modalidades, até que o nosso treinador de Rugby nos disse: “ou Rugby ou Esgrima”. Optei pela Esgrima. Talvez se tivesse sido o treinador da Esgrima a dizer “ou Esgrima ou Rugby” tivesse optado pelo Rugby. Acho que é o tal espírito de contradição inerente aos povos latinos (risos). A Paixão foi surgindo com a competição. Ainda agora com 60 anos vibro quando jogo uma competição ou outra. É algo tão intenso que nem sei explicar…adoro jogar. Nunca pensei, nem quis ser árbitro FIE [Federação Internacional de Esgrima], nem Mestre. Eu gosto é de Jogar/Atirar!

Que momentos recorda com maior carinho da sua carreira desportiva?

Ui há muitos, mas penso que foi o título Nacional Equipas pela Juviana em 1987, e o Título Europeu de Equipas de Portugal, que foi realizado na Madeira. Penso assim: ”e se eu não tivesse vindo para a Madeira será que este campeonato seria realizado na Madeira. E se fosse noutro país seríamos Campeões? No fundo, tenho carinho por tudo que faço na Esgrima.

Quando e como é que apareceu a vontade de seguir a carreira de treinador?

Foi uma sequência de fatores. O meu pai tinha falecido há pouco tempo e nessa altura o General Chito Rodrigues era o Presidente da FPE e estava a nível militar em serviço na Madeira. Fui convidado muito surpreendentemente pelo Governo Regional da Madeira para um projeto que seria o ressurgimento da Esgrima na Madeira, que já em tempos remotos era conhecida pelos famosos duelos ao ar livre nos Jardins do Savoy onde a alta burguesia se reunia para assistir a esses famosos Duelos. O Conde da Ribeira Brava, Sebastião Héredia também foi um exímio praticante de Esgrima. Mas na década de 80, o agora Dr. Artur Morais também ensinou Esgrima na Madeira criando esgrimistas de valor nacional, inclusive chegaram a ser convocados para treinos de Seleção Nacional, como no caso do Júlio Nóbrega em espada e Rui Dantas em florete. Então, devido aos factos a cima referidos tive a muito custo que deixar Viana e abraçar este Projeto Madeira. Foi recomeçar do zero, pois o excelente trabalho do Artur Morais tinha sido, de certo modo, perdido continuidade. Agora, olhando para trás, fiz a opção certa.

A Associação de Esgrima da Madeira celebrou recentemente 11 anos. Mais de uma década depois, que balanço faz deste percurso?

Sem a criação da AERAM, a Esgrima da Madeira estaria extinta sem dúvida. Foi e é o nosso Pilar de Sustentação. Um bem haja á Prof.ª Sónia Pereira e ao Prof. Filipe Costa que foram os Fundadores da Associação de Esgrima Madeira. Com esse corajoso ato, salvaram a Esgrima da Madeira da “ extinção “. Fica na história da Esgrima Nacional como a 1ª Associação da Modalidade.

Quais são os próximos objectivos a alcançar pela Associação de Esgrima da Madeira ou que gostaria de ver alcançados pela Esgrima da Madeira em geral?

Gostaríamos que a Esgrima da Madeira fosse mais apoiada pela entidade que gere os destinos da Esgrima Nacional. A continuidade territorial para essas pessoas não existe. Um exemplo: a Inscrição para o Curso de Treinadores Grau I foi 100 euros para os interessados no continente e 200 euros para os da Madeira..isto é simplesmente uma aberração, pois se a Madeira não participa nas competições Nacionais (e são muito poucas aquelas a que podemos ir por falta de verbas), mais provas do calendário Nacional de florete seriam canceladas. As pessoas são de memória curta. A Madeira já foi a “Galinha dos Ovos d’Ouro” da FPE em que eventos dos mais importantes a nível mundial foram realizadas na Madeira e com os encargos financeiros para a Região Autónoma da Madeira. E não vou muito mais longe. Temos que ter em conta que a Madeira tem 250 mil Habitantes e temos uma Associação, um Calendário Regional em que há mais provas que o Calendário Nacional e 5 clubes ativos a praticar Esgrima. Não seríamos merecedores de Mais Respeito? Que a FPE incentive e apoie (já foi sugerido pelo IPDJ e não deveria ser uma sugestão mas sim uma Obrigação) que os clubes formassem Associações de Esgrima. Seria a descentralização da Esgrima, quer a nível competitivo, como financeiro..o que não convém a certas pessoas que assim perderiam o “controle“ da Modalidade. 

No ano passado comemorou-se o 20º aniversário da conquista do título europeu de Florete Masculino por equipas na Madeira, em 2000. Passadas mais de duas décadas, que recordações tem desse dia?

Dia de Glória para a Esgrima Regional e Nacional. Estive envolvido neste projeto desde o início até ao último minuto…indescritível…Muito orgulhoso pela Esgrima da Madeira e Nacional.

Como tem acompanhado o percurso do Marco Gonçalves, actualmente a treinar a equipa húngara de Florete?

Estamos em contacto frequentemente e trocamos impressões sobre a Esgrima Húngara e a Madeirense vária vezes. Inclusive já deu um estágio no Funchal e um próximo já está para agendar. Apenas estamos à espera de encontrar a melhor data. O Marco para Mim é Família  E O QUE NOS UNE NÃO É SÓ ESGRIMA…MAS OS VALORES e as Vivências Extra Esgrima. O Marco é um Fixe! Muito Orgulho do Meu Marco!

Qual é para si o(s) elemento(os) mais importante(s) para se atingir a excelência na Esgrima ao nível da competição?

Um bom Selecionador (Mestre) Nacional. Um bom Mestre/Treinador no Clube, vários estágios Nacionais e Internacionais. Muito Sacrifício, Dedicação e Suor mas acima de tudo Ambição de ser Mais e Melhor. 

Apesar de a Esgrima ser uma modalidade individual, qual a importância de criar um grupo de trabalho coeso? 

É muito importante. Um grupo coeso faz com que a disponibilidade mental dos atletas seja muito superior para poderem potenciar tanto as suas capacidades técnicas como físicas. É mental. Temos que os fazer entender que todos juntos aprendem mais e melhor. Mais dinâmica no treino é sinónimo de mais evolução. Ainda recentemente tive essa experiência nos estágios da altura COVID, pois os estágios eram compostos por atiradores de 5 clubes, num máximo de 12 e em que a rivalidade entre eles não é só nas provas regionais como nacionais, pois por várias vezes se encontraram em fases adiantadas das provas inclusive para os pódios. Tive que lhes fazer entender que o fator de sermos rivais na pista, não faz de nós inimigos fora dela. E que para além de a Esgrima ser uma modalidade individual é em grupo que aprendemos todos uns com os outros. A mensagem passou e nos últimos estágios o tempo parecia andar a correr….nem reparavam que não tinham feito o descanso normal a meio do estágio, tal o empenho no treino. E ali se criou logo uma aproximação entre eles e ficaram muito mais comunicativos e saíam do treino/estágio todos suados mas felizes. O cansaço parecia ter sido minimizado pela concentração e empenho dos atiradores.

P.S. – eram selecionados 12 atiradores, mas se algum deles não correspondesse ao esforço e dedicação ao treino que lhes era exigida seriam substituídos por outros….não foi necessária qualquer alteração..a motivação pode aparecer de várias formas e esta foi uma das melhores. Foi no 1º Estágio referido e sublimado que, se eram os melhores, era um privilégio que muitos que não estiveram presentes ambicionavam e se não houvesse empenho da parte de algum muitos mais teríamos para substituir. Funcionou a 100%.