Texto de: Frederico Valarinho

Qualquer pessoa que nos conheça sabe que os esgrimistas têm idiossincrasias muito próprias. Apesar de estar cientificamente provado (por um estudo levado a cabo em 2016 pela Federação de Esgrima dos Estados Unidos) que tendemos a ser mais pessimistas e a lidar pior com o insucesso e com a vergonha, que as situações desconhecidas ou incertas nos enervam, que odiamos as injustiças, somos, por outro lado, profundamente individualistas e, parafraseando um antigo Presidente da República, nunca temos dúvidas e raramente nos enganamos.

Este estranho cacharolete de características psicológicas leva, frequentemente, a que tomemos atitudes que, aos olhos do exterior, parecem inexplicáveis ou mesmo ridículas. Fazemo-lo por nós próprios ou pelo nosso círculo social mais próximo, muitas vezes convencidos de que estamos a combater as tais injustiças que odiamos. E fazemo-lo convictos de que temos razão e de que sabemos mais do que os outros.

Veja-se, por exemplo, o que aconteceu em 1932, antes dos Jogos Olímpicos de Los Angeles. A equipa portuguesa de espada (nesses tempos exclusivamente masculina) tinha, quatro anos antes, conquistado o bronze olímpico em Amesterdão e entre 1928 e 1932 os nossos espadistas tinham alcançado resultados internacionais que os colocavam entre os principais candidatos às medalhas na Califórnia, tanto individual como coletivamente.

Henrique da Silveira, Mário de Noronha, Paulo d’Eça Leal, Jorge Paiva, Frederico Paredes e João Sasseti tinham sido os heróis de Amesterdão, mas, logo de entrada, Paulo d’Eça Leal não podia ir a Los Angeles por estar no estrangeiro, enquanto Mário de Noronha e Jorge Paiva já não estavam a competir com regularidade. Assim, a primeira escolha para integrar a equipa deveria ser Mascarenhas de Menezes, que pouco tempo antes tinha tido uma notável prestação em Londres, num encontro Inglaterra-Portugal, mas que por afazeres profissionais não podia deslocar-se por tanto tempo aos Estados Unidos.

Para definir a equipa olímpica de 1932, a Federação Portuguesa de Esgrima fez disputar duas poules, que designa como de “apreciação e treino”. Na primeira foi Henrique da Silveira a vencer, seguido de Gustavo Carinhas, com Manuel Queirós e Frederico Paredes empatados na terceira posição. Na segunda, a vitória coube a João Sasseti, seguido de Álvaro Pinto e de Frederico Paredes.

Com estes resultados, Silveira, Carinhas e Sasseti eram desde logo selecionados, determinando-se que, para os dois lugares restantes, far-se-ia uma nova poule entre Frederico Paredes, Manuel Queirós, Rui Mayer e Álvaro Pinto. Foi então que tudo se complicou. O jovem Álvaro Pinto foi o único a comparecer, enquanto Mayer comunicou que não podia ausentar-se por tanto tempo de Portugal. Frederico Paredes e Manuel Queirós foram mesmo mais longe, escrevendo cartas à FPE dizendo que não participariam na poule por se considerarem “já escolhidos pela evidência dos seus próprios méritos”.

Estava criada a primeira grande guerra da esgrima federativa portuguesa. Dois dos principais interessados na questão, Manuel Queirós e Álvaro Pinto, faziam parte dos órgãos sociais da federação. Ambos tentam encontrar uma solução em que a posição de Pinto fique salvaguardada – uma vez que foi o único a comparecer à poule. Queirós acaba por demitir-se e, apesar de muitas diligências e tentativas de conciliação, os resultados são nulos.

A FPE ainda convoca Paredes e Pinto para os Jogos Olímpicos, mas o primeiro recusa-se a ir sem que Manuel Queirós faça também parte da equipa. Depois de semanas de esforços, a federação acaba por comunicar ao Comité Olímpico a sua incapacidade para formar uma equipa e desiste de se fazer representar em Los Angeles.

A tensão, contudo, não acaba. Silveira, Sasseti e Carinhas escrevem uma carta para os jornais (a esgrima era, nesse tempo, um tema de importância nacional – que saudades!) apoiando Paredes e Queirós que “pelo seu passado esgrimístico e pelas provas recentemente prestadas deveriam constituir uma garantia de êxito”. Ou seja, davam a entender que Álvaro Pinto não tinha nível para integrar a equipa olímpica.

Frederico Paredes e Manuel Queirós também escrevem para os jornais, mas para criticar violentamente a federação, atribuindo-lhe a responsabilidade de a esgrima não estar presente nos Jogos e acusando-a de querer impor a entrada na equipa de um atirador que “manifestamente deu provas insuficientes nas poules realizadas e não tinha qualquer experiência internacional”, fazendo-o sem consultar ninguém.

Os graves conflitos internos mancharam a imagem de uma modalidade que tinha grandes possibilidades de trazer medalhas olímpicas para Portugal. Defraudando o crédito de confiança que a esgrima tinha conquistado nas décadas anteriores, esta guerra entre agentes desportivos e a federação desanimou apoiantes e desmotivou praticantes, causando o declínio da modalidade.

Foi pena…

Espada 1928