Em entrevista ao portal “Academy of Fencing Masters”, a actual campeã do mundo de espada falou da forma como lidou com a pandemia e o cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Conta ainda como adaptou a sua rotina de treino e utiliza as redes sociais para partilhar e convidar o mundo a fazer esgrima com ela. Tudo isto, relembrando, não só o dia em que conquistou o título mundial em Budapeste na época passada, mas também todo um percurso que leva Moelhausen a concluir que a capacidade de manter constantemente o foco pode fazer a diferença “entre um campeão e um excelente atleta”.

Vive em França, fala português, representou Itália e defende agora as cores do Brasil. Pode dizer-se que Natalie Moelhausen tem uma carreira, no mínimo, peculiar. A actual campeã do mundo começou a fazer esgrima há três década quando tinha apenas cinco anos. Representou a seleção italiana até 2013 e alcançou a sua primeira medalha em Campeonatos do Mundo em 2010, na cidade de Paris.

Qualificada para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 viu a vida virada do avesso devido à pandemia mundial gerada pela covid-19, mas não foi por isso que deixou de treinar e inspirar muitos outros durante o confinamento, através dos novos meios digitais e de uma abordagem próxima e, por vezes, artística.  Em entrevista ao portal Academy of Fencing Masters, Moelhausen conta como recalibrou os seus objetivos durante este período, partilha a sua experiência durante o dia em que se sagrou campeã do mundo e ainda, a sua opinião sobre o que faz realmente a diferença em cima das pistas.

 

Treinar em casa

Para Natalie Moelhausen o período de confinamento em que foi forçada a treinar em casa “foi muito envolvente”, até porque ao início subsistiu a dúvida sobre se os Jogos Olímpicos iriam ou não acontecer. 

“No início mantive a intensidade do treino que estava a fazer (…) mas quando soubemos que os Jogos Olímpicos foram adiados (…) e não íamos competir por um longo período de tempo o que fiz foi tirar partido da situação. Este não é o período de tempo em que temos de investir da mesma forma do que quando estamos a competir. Procurei treinar todos os dias, mesmo que fosse só um pouco. Talvez, no total, não tenha treinado durante cinco dias”, partilhou Moelhausen.

Para a esgrimista, mesmo que sejam “apenas 30 minutos” é importante manter a actividade física. “Fiquei impressionada por sentir que o treino que fiz em casa através de videoconferências deu resultados”, aponta, acrescentando ainda que tentou variar o mais possível o tipo de trabalho que fazia em casa para “não ficar aborrecida”. “Trabalhei flexibilidade. Dancei, alonguei muito e enquanto podia fui correr”, referiu Moelhausen ao portal Academy of Fencing Masters.  

 


 

Questionada sobre a importância de ser um exemplo para as gerações mais novas durante este período, Natalie Moelhausen relembra que antes da pandemia já levava a cabo iniciativas sociais em escolas e clubes no Brasil, procurando contribuir para o desenvolvimento da modalidade no país. Durante este período procurou fazer o mesmo, mas tirando melhor partido das ferramentas digitais.

“Faço muitas sessões em directo no Instagram para que todos os membros interessados se possam juntar se quiserem. Aos sábados e domingos faço sessões de treino em directo com crianças brasileiras. Apesar de ser desafiante para eles, estão motivados e adoram. Continuam a fazer esgrima e enviam mensagens a dizer o quanto estão a melhorar. Acho que é muito importante partilhar este momento que estamos todos a viver e dar este exemplo aos outros”.    

 

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My contribution in the fight against the #covid_19. . Show must go on 🤺😊 . Production by @5touches Performance by Nathalie Moellhausen Art direction by Nathalie Moellhausen & Tiziana Pagliarulo Choreography design by Tiziana Pagliarulo Fencing mask & Belt design by Nathalie Moellhausen Silver Outfit design by Edda Gudmun Soundtrack ‘Nessun dorma’ Pavarotti Music Editing by Alban De Beyssac Video & Sound design by Jean Berthet Film Making by @nataliosimionatochef Backstage Shooting by Siegfried guillaume-sage & Danilo Guillaume-Sage Backstage Editing by @mion_lorenzo Logistique by @monique.majerowicz #danceoftheblades #theartistictouch #fencingandart #viralfencing #covidfencingmask #nessundorma #pavarotti #worriormood #fightforlife #showmustgoon #covidbattle #fencingisourfuture #placedesvictoires Uma publicação partilhada por Nathalie Moellhausen (@nathaliemoellhausen) a

Mundial de Budapeste: o Dia D

“Houve uma frase que o meu treinador não parava de me dizer desde o início do Campeonato do Mundo de Budapeste. Ele disse-me que eu tinha sempre de correr o risco. Mas, por vezes, simplesmente não somos capazes de arriscar e não basta dizermos isso a nós próprios. É preciso sentir. Temos de estar convencidos que é altura de arriscar. Porque, muitas vezes dizemos que vamos arriscar, mas acabamos por não o fazer”, conta Moelhausen.

No dia 15 de Julho de 2019, na capital da Hungria, Natalie Moelhausen sagrou-se campeã do mundo de espada depois de uma longa jornada, onde teve de afastar várias adversárias de renome, incluindo a chinesa Lin Sheng no assalto da final, a quem nunca tinha conseguido ganhar ao longo de toda a sua carreira.

“Esse dia foi o resultado de um longo trabalho. Não é uma condição que se consiga adquirir se não se trabalhar durante anos a fio, dia após dia. Por vezes, chegamos à pista e encontramos essa coragem de arriscar. Foi isso mesmo que aconteceu no último toque do assalto da final. Disse para mim própria: ‘ok, tenho aprioridade mas eu quero aquele toque! Não vou ficar à espera. Se perder, perdi, mas ao menos não vou sentir que simplesmente deixei a oportunidade fugir’. Muitas vezes no passado perdi porque não tive essa coragem e estava tão zangada comigo própria porque sabia que era capaz de fazê-lo mas não o fiz. É melhor dizer ´tentei e perdi´ do que, ´não tentei e perdi´”.  

Sobre Lin Sheng, a quem ganhou nesse dia por 13/12, Natalie Moelhausen partilhou na entrevista que, à excepção de uma vez, ao longo de toda a sua carreira nunca conseguiu dar mais de sete toques nos assaltos que disputou com a chinesa. “Era um pesadelo para mim”, conta. Da vez que deu mais de sete toques viria a perder com Lin Sheng por 15/14. O assalto aconteceu em 2018 na Taça do Mundo de Tallinn e Moelhausen diz ter saído do encontro com a sensação de “ter descoberto algo” que lhe poderia ter permitido vencer o assalto.

“A esgrima é sobre percepção. Quando mudamos a percepção sobre o nosso adversário, podemos ganhar. Quer queiramos, quer não, muitas vezes bloqueamos porque dizemos a nós próprios que não somos capazes de ganhar a determinada pessoa. Naquele dia achei que era capaz e não tive medo”.  

 

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After all this will be passed, we will licks the wounds and begin everything anew. Because we know that a war is made of many battles. We will finally get rid of our fears and we will be stronger than ever. We will have learned to survive. We will have changed our way to think, to love, to share, to train, to fight, to live and we will become new persons, new athletes with new values. That day we will be ready to play again and Olympic Games will be waiting to welcome its new heros. ✨ . . 🇧🇷 Depois que tudo isso for passado, lambaremos as feridas e começaremos tudo de novo. Porque sabemos que uma guerra é feita de muitas batalhas. Finalmente nos livraremos de nossos medos e seremos mais fortes do que nunca. Nós teremos aprendido a sobreviver. Teremos mudado nossa maneira de pensar, amar, treinar, lutar, viver e nos tornaremos novas pessoas, novos atletas com novos valores. Nesse dia, estaremos prontos para jogar novamente e os Jogos Olímpicos estarão aguardando para receber seus novos heróis. ✨ #tokyo2021 #roadtotokyo #oneforallallforone #sportcommunity #covid_19 #umportodosetodosporum #timebrasil #fencinglife #fencing #stayhome #lifeathome #timebrasilemcasa #trainingathome #thementaltouch @fencing_fie @olympics @conf.brasileiradeesgrima @ecpinheiros

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Foco e personalidade

Outro dos tópicos abordados na entrevista concedida ao portal Academy of Fencing Masters está relacionado com a preparação mental, algo que é, para Moelhausen, “relativamente difícil de definir quando estamos a falar de esgrima”. Para a esgrimista, “cada pessoa tem de encontrar a sua própria maneira” de se preparar mentalmente pois é algo que está intimamente ligado à personalidade de cada um.

“Um ponto que penso ser consensual é que é preciso trabalhar com a respiração e estar presente em cada momento. A esgrima é uma modalidade onde se perdermos a concentração por menos de um segundo perdemos um toque e isto porque estamos a pensar naquilo que a nossa mãe ou o nosso treinador estão a pensar, ou se vamos alcançar determinada classificação ou se estamos dentro da equipa. Isto acontece com todos os esgrimistas”.

Desta forma, Moelhausen acredita que tal como acontece com a componente física, também a parte mental deve ser trabalhada e tida em conta durante as sessões de treino. A esgrimista diz ainda que importa prestar especial atenção aos “dias menos bons”. Nestes dias, conta a atleta, é importante “não desistir do treino”, cumprindo-o da melhor forma possível e aceitando que “pode não ser perfeito”.

“Quando estamos na pista, temos de estar lá dentro e não noutro lugar qualquer. Acho que esta habilidade de manter constantemente o foco é a diferença entre um campeão e um excelente atleta. O meu conselho é que cada esgrimista procura trabalhar correctamente a sua preparação mental”, aponta Natalie Moelhausen.    

 

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Foi em 2010, a primeira vez que toquei o podio mundial, no Grand Palais de Paris. Consegui conquistar a minha primeira medalha de bronze🥉 individual. Naquela época eu representava a Italia, meu pais de berço. Foi uma grande conquista e um dos momentos mais lindo da minha carreira de esgrimista. Eu comparto aquele momento aqui hoje, porque desde aquele dia passaram ja 10 anos até eu tocar de novo aquele podio e desta vez, pra ganhar o🥇 . Em este tempo, a vida foi dura comigo, me desafio, me apresentou provas difíceis pra ver si o meu desejo de ganhar ainda era mais forte do meu medo da derota. Em 2014, mudei pro Brasil e com tudo o respeito pela italia e tudo o que eu aprende la, tomei uma decisão radical sem volta atras, convencida da minha missão de conquistar o Brasil com minha esgrima. Uma ideai totalmente loca, que foi muito criticada, desprezada e mal interpretada. Mais è isso que me fortaleceu em este 10 anos. Eu aprendi a não escutar mais as opiniões dos outros e a não deixar seus olhares atrapalhar a minha visão..Porque os outros são os outros e eu sou eu com meu destino. Si tivesse seguido as regras sociais, o que se deve ou não deve fazer, nunca teria feito esta escolha. Eu fiz porque eu sou um ser livre de viver como eu sinto. Hoje estou orgulhosa da minha escolha e sobre tudo de ter resistido a todas provas durante 10 anos e puder dizer de ter subido naquele podio em nome das duas nações que mi pertence. 🇮🇹 🇧🇷 Essa foi a minha história. E vocês, o que gostariam de contar de aqui a 10 anos ? #tbt #grandpalaisparis #thementaltouch #buildyourdream #fencingworldchampionships #bestmoments #lifetime #nevergiveup #lavieestbelle #momentsofglory #theobstacleistheway #doitagain Uma publicação partilhada por Nathalie Moellhausen (@nathaliemoellhausen) a